QUANDO uma estrela se apaga.

As estrelas, astros luminosos no céu, com seus brilhos incandescentes, parecem tão superiores, pois são intocáveis, estão tão distantes, e têm a assustadora capacidade de viverem milhões de anos.
E assim, desse jeito nada simplório, que Estela se autodenominava. Não porque seus pais a batizaram com este nome, Estela, “aquela que descende das estrelas”, mas pela sua personalidade de ser sempre brilhante, ofuscante aos olhos de todos. Ela era um mistério.
Assim era Estela.
E como todo ser estelar, as estrelas, e os cometas iluminados, se apagam. Acabam-se. Somem. Desaparecem.
Alguém lembra de alguma estrela que se apagou? Afinal, estrelas cadentes existem porque elas se movem? Ou porque elas caem? Mas por que elas brilham? E por que elas se apagam?
Elas teriam vivido o suficiente nesse mundinho galáctico e, pronto, fim?
E era assim que Estela se sentia... ou melhor, era assim que pressentia que seu fim estava por vir. Sentia que nada mais fazia sentido. Sentia que nada mais tinha o mesmo sabor, o mesmo cheiro, o mesmo prazer.
Ela simplesmente cansou de brilhar. Cansou de ofuscar. Cansou de ser Estela. Cansou.
Quando pequena não sonhava em ser astronauta, mas queria ser aeromoça. Voar para longe, viajar pra bem longe.
Imagine só uma aeromoça? Era algo tão distante da sua realidade, como estavam as estrelas lá no céu. Não apenas em distância quilométrica, e sim de mundos e meios.
Na infância de Estela, em sua mente simples de menina pobre, o que se imagina pode ter valores insignificantes a um adulto, mas para ela, sua dimensão de mundo não fugia muito dos acontecimentos em seus sonhos, vividos em seu pequeno mundinho.
Voar e fugir talvez já estivesse implícito nos desejos da menina. Talvez ali, quietinhos, quase declarados, mas ainda intocáveis, porém existentes dentro daquele pequeno coração. Coração solitário, mas muito ouvinte e observador. Sonhar nunca foi difícil. Simplesmente ouvir as pessoas, escutá-las e retratar em sua imaginação era o que de mais bárbaro podia vivenciar. E era de graça. Uma diversão gratuita.
Quando foi não importa, mas o sonho de se tornar aeromoça veio ao chão quando, como tudo na vida, além de apoio emocional, precisa-se de apoio financeiro. E infelizmente ela não tinha nem um, nem outro.
Pode parecer banal para quem nunca viveu grandes perdas, grandes dramas, grandes desafetos, grandes mágoas e dores. Quem (felizmente) ainda não viveu jamais tem, teve ou terá uma visão real das coisas que Estela vivenciou. Será meramente cordial, e até superficial. Mas, pra quem compreende do que Estela sentia, sabe do quão trágico é estar incapacitado de agir, e saberá interpretar que os sentimentos de alegria se mesclam aos de angústia, e a covardia pode se tornar característica marcante.
E assim Estela estava.
Uma completa covarde.
Completar três décadas de vida talvez tenha sido um dos fatores que a levaram a esta patologia. Mas por quê? É a lei da vida. Ano após ano, a cada 365 dias, exceto os anos bissextos, a idade cronológica é contada e somamos.
Porém, envelhecer não é apenas somar... pode ser também diminuir. Pode ser dividir. Pode ser multiplicar. Pode ser anular.
E contra a anulação foi que Estela mais lutava, nestes anos vividos, pela construção de sua identidade. Porém, infelizmente era o que a retratava.
Anulação de personalidade é algo que hipocritamente muita gente vivencia. Esposas e maridos que, por preguiça, medo ou comodismo, aceitam as regras ditadas pelo cônjuge e vivem em uma completa anulação dos seus desejos, sonhos e de até suas necessidades.
Há ainda como anular-se usando máscaras. A sociedade nos impõe o uso destas máscaras. Aqueles que não as usam não são normais. São tolos. Aliás, são os carneirinhos que serão abatidos pelos tigres, leões e lobos, sempre famintos para o ataque dos fracos. É a lei da selva. A lei da sobrevivência. Somente os mais fortes sobrevivem. A sociedade não forma fracos. A sociedade gradua para a vida-selva, e não a vida-harmonia.
Mas a pior de todas as formas de anulação é aquela em que o indivíduo esconde e finge para si mesmo.
Estela não queria mentir para si mesma. Estela cansou desse tipo de mentirinha. Ela cansou de mascarar-se para agradar a todos com quem se relacionava.
E um dia ela pensou. Ela refletiu, e se questionou. Viver? Para quê? Por quê? De que adianta?
Uma pessoa sem sonhos é como um céu cinza. Pessoas sem sonhos não passam de meras estátuas, pois estão sempre ali, com a mesma cara de paisagem de todo o sempre.
Em toda história há os coadjuvantes e os personagens principais. Quem viveu uma infância em busca de esperança compreenderá a simplicidade de pequenos gestos, e compreenderá que antes ser um mero, ou mais um, coadjuvante, do que nem sequer estar em ação.
Ser dona do seu destino sempre foi sua bandeira. Sem apoio afetivo, sem embasamento concreto de suas raízes, vivendo apenas com valores superficiais, foi que Estela buscou tornar realidade uma vida básica. Esta era a denominação que ela buscava, uma vida simples e verdadeira, que sonhava ter.
E mesmo que pareça simplório esse desejo, somente quem conhece seus fantasmas interiores compreende que a mente humana é capaz de criar anticorpos, tanto quanto generalizar um câncer.
A conspiração universal existe. É provado, registrado, e o ser mais incrédulo haverá de concordar, um dia irá.
Toda ação gera uma reação, e é essa a conspiração universal mais real que existe. Pessoas alegres, não são atraentes porque o signo do zodíaco as rotulou assim. Pessoas contentes atraem bons fluidos, e emanando boas energias, as atraem. Não é preciso divulgar com um segredo desvendado. É tão simples quanto as necessidades fisiológicas, beber líquido quando estamos com sede, nos aquecer quando estamos com frio, gritar quando sentimos dor, e etc.
O mundo vive o constante da ação e reação, e os meros seres humanos, com seus turbilhões de sentimentos, idem.
Desejar algo com o mais árduo desejo pode ser o primeiro passo. Porém, cair do céu, somente chuva, tragédia de avião ou algo do gênero.
Se nós somos o que comemos, somos o que desejamos.
E Estela estava vivendo o seu mais novo e temido paradigma: o desejo de não ser.
Todos nós somos movidos por desejos. Alguns desejos se modificam com o passar dos anos. Alguns sonhadores conquistam o amadurecimento, e mudam seus sonhos. Deixamos de lado os desejos infantis, desejos juvenis, e passamos aos desejos e sonhos do fantástico mundo do ser adulto.
O mundo atual, e real, pode ser tão frustrante. Talvez seja esta descoberta que tornou a vida de Estela tão vazia.
De que adiantava todo esse questionamento? De que adiantaram os gritos de socorro?
Não adianta gritar. Os fantasmas aparecem sempre quando todos já foram dormir.
E assim, tudo chega ao final. Tudo tem início, meio e o tão temido FIM.
Estela não foi a única, nem foi apenas mais uma. Ela pode ser sua irmã, sua amiga, sua mãe, sua tia. E, não tenha medo, ela pode ser eu, bem como ser você.
*Jeanine de Moraes